sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

UM POUCO DE CULTURA | “Desaniversário”: Lewis Carroll completa 180 anos de existência

Por Luma Pereira 

“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”. Esse é um dos enigmas de Lewis Carroll, proposto a Alice pelo Chapeleiro Maluco no episódio “Um Chá Maluco”, em Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865 – é o livro mais conhecido do autor.

Esse estilo, intitulado “nonsense”, é a marca do escritor, que fazia jogos de palavras e enigmas muitas vezes indecifráveis, além de descrever situações e mundos aparentemente sem sentido, de “não sentido”.


A literatura nonsense tornou-se um gênero na Inglaterra Vitoriana, no século XIX. “É parte do humor inglês desde, pelo menos, Shakespeare”, afirma Myriam Ávila, primeira a publicar um livro sobre Carroll no Brasil – Rima e Solução: A Poesia Nonsense de Lewis Carroll e Edward Lear, pela Annablume.

“Carroll é figura de grande importância na literatura alternativa, a literatura da palavra, da linguagem, dos trocadilhos e das brincadeiras de linguagem. É uma literatura concentrada mais na língua do que nas ideias”, afirma John Milton, professor de Literatura Inglesa da USP. 


Pela toca do coelho 

Escritor, lógico e matemático britânico, Charles Lutwidge Dodgson se formou na faculdade Christ Church, da Universidade de Oxford. Adotou o pseudônimo Lewis Carroll, como é mais conhecido, quando publicou seu primeiro livro.

“A intenção era separar a figura do autor de sua pessoa, chegando ao ponto de não abrir as cartas endereçadas a Lewis Carroll que eram entregues em sua casa. Ele procurou manter sua vida pessoal separada de sua carreira como escritor”, conta Myriam.

Segundo Nilce Pereira – pesquisadora do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia da USP –, desde a infância ele gostava de escrever e inventar brincadeiras, divertindo os irmãos com poemas, desenhos e charadas.

Mesmo depois de adulto, mantinha amizade com crianças, principalmente filhas de amigos. “Era tímido e gago. Preferia se relacionar com crianças a com adultos, pois elas davam atenção às histórias malucas e aos jogos que gostava de inventar”, diz Myriam.

Há evidências de que Alice no País das Maravilhas tenha sido escrito para uma das três filhas de Henry George Liddell, reitor da Christ Church – Lorina, Alice e Edith –, durante passeios de barco no rio Tâmisa.

A história foi contada oralmente, e só depois passada para a forma escrita e editada como obra literária. Lewis Carroll faleceu no dia 14 de janeiro de 1898, em Guildford, onde se encontra sepultado, no Cemitério de Guildford, em Surrey, na Inglaterra.


O sorriso de Cheshire

Alice fez tanto sucesso, que demandou novas edições, e Carroll decidiu escrever a continuação, Através do Espelho e o Que Alice Encontrou Por Lá, publicado em 1872. Logo foi traduzido também para outros idiomas, começando pelo francês.

Ao longo do tempo, a obra foi ganhando adaptações. São mais de 20 produções cinematográficas de Alice no País das Maravilhas. A primeira é de 1903: um filme mudo dirigido por Cecil Hepworth e Percy Stow. Depois vieram as de 1910, 1915, 1931...

Houve também um musical britânico, feito em 1972, e até um desenho produzido pelos estúdios Hanna-Barbera, em 1966.

É uma adaptação livre da história, com Fred e Barney no elenco. Desta vez, Alice não cai na toca do coelho e sim na tela da televisão.

Em 2010, estreou nos cinemas o filme dirigido por Tim Burton, com Johnny Depp como Chapeleiro Maluco. A novidade colocou a obra novamente em foco, e várias edições do livro foram publicadas por editoras como Cosac Naify e Zahar.

“O impressionante é a capacidade que os dois livros têm de agradar a crianças, adultos, leitores comuns e sofisticados intelectuais com a mesma intensidade”, diz Myriam.

“A necessidade de sobreviver em um mundo que não faz sentido é cada vez mais sentida por cada um de nós, o que permite que nos identifiquemos com a história de Alice”, completa.

 
                                                                Ilustração original do clássico da literatura

Adriana Peliano, designer e artista plástica, concorda: “Alice tem a capacidade de atravessar as margens do livro e continuar sua metamorfose no tempo e no espaço, incorporando o imaginário coletivo em suas múltiplas possibilidades”.

Adriana fundou a Sociedade Lewis Carroll do Brasil, em 2009. O objetivo é reunir estudiosos e admiradores de Lewis Carroll para produzir atividades culturais inspiradas na obra do autor inglês. Qualquer um pode se tornar membro sem nenhum custo.


Um chá maluco

São muitas traduções do livro para o português. “Os trocadilhos e os poemas são um desafio à parte para o tradutor, por causa dos jogos de palavras em si, em suas variadas formas – que podem envolver tanto as significações quanto o som das palavras – ou, no caso dos poemas, as rimas, para citar apenas um aspecto da tradução poética”, segundo Nilce

E completa: “e tudo isso vem acompanhado de referências culturais e/ou pessoais, que impõem um nível a mais de dificuldade para a tradução”.

Maria Luiza X. de A. Borges, tradutora da edição da Zahar, lançada em 2010, que recebeu o prêmio Jabuti na categoria Melhor Tradução, conta: “a solução, às vezes, foi criar outro jogo de palavras, semelhante, em português”.


“De que serve um livro sem figuras nem diálogos?”

As primeiras ilustrações das Alices foram feitas por John Tenniel, um dos desenhistas mais conceituados da época do escritor inglês. Ele era cartunista do Punch, um periódico britânico de sátira política.

“Ele trouxe para as suas ilustrações de Alice uma influência da caricatura. Além disso, fez referência nas imagens a uma série de obras de arte conhecidas no período”, explica Adriana. E completa: “sua obra tem humor e inteligência. Dialogava também com o público adulto. As Alices de Tenniel são muito características da Inglaterra vitoriana”.

“Ao longo dos anos, Alice foi ganhando inúmeras versões imagéticas, de artistas como Arthur Rackham, Peter Newell, Mabel Lucie Atwell e até Salvador Dali, entre muitos outros”, comenta Nilce.

Adriana Peliano também se aventurou em ilustrar Alice, em 1998. “Me propus a questionar a influência de Tenniel, buscando criar imagens que dialogassem com a complexidade da obra no cenário contemporâneo”, conta.

“Não o que Alice é, mas o que pode vir a ser. Criei os personagens com assemblagens e as ilustrações em computação gráfica através de jogos intertextuais, trocadilhos, desafios”, complementa.

No dia 27 de janeiro, é o aniversário de Lewis Carroll, ou “desaniversário” – como no episódio “Humpty Dumpty” – de Alice, a do espelho, do país das maravilhas, e também a do sobrenome Liddell, primeira ouvinte de sua grande história.

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